Delicadeza e dorpor Alberto Guzik - Os Dias e as Horas
Nessa madrugada, à meia-noite, quando começava um dia bastante particular para mim, tive a chance de torná-lo mais particular e significante. Fui ver “Faz de Conta que tem Sol lá Fora”, de Ivam Cabral, em montagem dirigida pela batuta Aline Meyer. Não haveria meio melhor de começar este novo ciclo de minha vida. O espetáculo, interpretado por Jerusa Franco e Nilton Bicudo, é uma pequena obra-prima. Estava exausto, por conta da sessão de bufão com a Roberta, anteontem, e da tormenta que desabou sobre nossas cabeças ontem. Mas lutei contra o cansaço para me deixar envolver por essa história pequena e arrebatadora, pungente de solidão. Aline Meyer no programa aproxima o texto de Ivam das peças curtas de Tennessee Williams, e com toda razão. A linguagem, os diálogos, para quem conhece nosso artista, é puro Ivam Cabral. Mas o clima, o ambiente, a situação, poderia fácil fazer par com “27 Vagões Cheios de Algodão” ou alguma daquelas outras pecinhas primorosas de Williams. E a montagem de Aline Meyer é de uma suavidade exata e cortante. Sem nunca incorrer na piedade pelas personagens, expõe sua solidão com delicadeza e ternura. A cenografia de Cássio Amarante é certeira: uma jaula de cortinas de renda. Lá dentro, um tapetinho branco, duas poltroninhas e um móvel com um fogareiro eternamente aceso sob uma chaleira e um aparelho de som. Os figurinos e a caracterização, assinadas por Leopoldo Pacheco, também são excelentes. E as atuações de Nilton Bicudo, um ator sempre expansivo, em um papel contido, de uma timidez quase doentia, e de Jerusa Franco como a garota expectante, mas presa a dezenas de condicionamentos e travas, são emocionantes, arrepiam pelos abismos de emoção que escondem sob uma superfície polida. Muita gente do meu lado na platéia saiu da sala enxugando os olhos. Eu não chorei. Mas estava encantado. Depois da noite difícil um início de madrugada sublime. Não poderia ter ganho um melhor presente. Que bom!
domingo, 10 de junho de 2007
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